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Música

'Cazuza: Boas Novas' reacende a memória de um artista indomável

O documentário é um reencontro íntimo com a alma de um homem que viveu e morreu em alta voltagem

DA REDAÇÃO • 18/07/2025 às 9:46

'Cazuza: Boas Novas' reacende a memória de um artista indomável
Generoso e brilhante, apesar de também inconsequente, que ele foi. Divulgação/Kajá Filmes

No ano em que se completam 35 anos da morte de Cazuza, estreia Cazuza, Boas Novas, documentário que é mais do que uma homenagem póstuma: é um reencontro íntimo com a alma de um homem que viveu e morreu em alta voltagem. Dirigido por Nilo Romero, amigo e parceiro de palco de Cazuza, ao lado de Roberto Moret, o filme se afasta da cinebiografia tradicional e mergulha num território mais afetivo, construído por quem o conheceu por dentro. Não há aqui a tentativa de canonizar o ídolo — e precisa? —, mas de reacender a memória do sujeito genial, mas insuportável; generoso e brilhante, apesar de também inconsequente, que ele foi.

O maior trunfo do longa está justamente nessa proximidade com seu protagonista. Nilo não é apenas um observador: ele é parte da história, e sua presença na tela pode até parecer vaidade, mas é também uma necessidade. As conversas, as lembranças, os encontros com amigos de Cazuza como Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Frejat, George Israel e a mãe, Lucinha Araújo, ganham calor porque vêm de um lugar de afeto verdadeiro. Não é um inventário, é uma evocação. Cazuza aparece em VHS, shows, bastidores e, sobretudo, nos olhos de quem ainda sente sua falta. Há dor, mas há também uma celebração crua, sem maquiagem.

O filme acerta ao evitar o caminho fácil da nostalgia embalsamada. O que vemos é um Cazuza ainda pulsante, provocador, apaixonado e inconformado. A curadoria de arquivos é um deleite para os fãs: cenas raras, gravações caseiras, trechos de entrevistas já conhecidas, mas recontextualizadas. A trilha sonora, tratada por Nilo, funciona como parte da montagem. Mesmo em trechos, as músicas funcionam como pequenos manifestos e fazem o público cantar junto, como se Cazuza estivesse ali conosco.

Mas Cazuza: Boas Novas não é um retrato leve ou complacente. O documentário encara a AIDS, o preconceito e a decadência física com franqueza e coragem. Sem coitadismo, sem santificação. Relembra a crueldade da capa da Veja, a lucidez da entrevista a Marília Gabriela, o gesto simbólico (e ainda hoje polêmico) de cuspir na bandeira brasileira durante um show. É um filme que abraça as contradições de seu personagem e, por isso mesmo, acerta na veia. Ao fazer isso, também oferece uma crítica direta aos tempos atuais, em que tudo precisa ser higienizado, explicado e aceito, em que figuras como Cazuza talvez nem tivessem espaço.

Há também tempo para a leveza, como no causo contado por Leo Jaime sobre um golpe de telefone nos EUA. É nesse ponto que o filme brilha: ao equilibrar irreverência e dor, gargalhada e luto. A montagem de Jordana Berg — colaboradora de longa data de Eduardo Coutinho — costura esses contrastes com sensibilidade, sem pressa e sem precisar gritar. Ao final, entende-se o título: Boas Novas não é sobre redenção, mas sobre uma vida que, mesmo diante da morte, seguiu dizendo coisas novas, incômodas e belas.

Mais do que lembrar quem foi Cazuza, o filme provoca uma pergunta: por que não temos mais gente assim? Em um tempo de autocensura e fórmulas fáceis, Cazuza: Boas Novas é um lembrete de que a arte pode ser, sim, desbocada, suada, apaixonada, suja e, ainda assim — ou por isso mesmo —, profundamente humana. Um retrato feito por quem o amou de perto e que entrega o que há de mais raro em um documentário musical: verdade sem máscaras.

Informações: Rolling Stone

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