
Some Time in New York City (1972), gravado por John Lennon em parceria com Yoko Ono, está sendo relançado pelo filho do casal, Sean Lennon. Todavia, o álbum virá sem uma de suas músicas mais emblemáticas — e polêmicas.
Sean, que é músico e produtor, decidiu excluir a faixa que abria o disco em sua versão original: “Woman is the N*gg*r of the World”.
Trata-se de uma canção que ao longo dos anos enfrentou duras críticas. O motivo é o uso da palavra “n*gg*r”, que possui forte conotação racista nos Estados Unidos.
O próprio título da canção (“A mulher é o crioulo do mundo”, em português) gerou controvérsia. Ela chegou a ser banida em rádios americanas na época do lançamento.
Em entrevista ao produtor e pesquisador musical Marcelo Fróes, para o Estadão, Sean Lennon falou sobre a decisão de excluir “Woman is the N*gg*r of the World” da série de relançamentos intitulada Power to the People e idealizada por sua mãe, Yoko.
Segundo ele, essa é uma tentativa de se adaptar aos tempos atuais, em que a sociedade não tolera mais alguns termos preconceituosos do passado. O também músico disse:
“Não depende de mim o que é aceitável ou não pela sociedade, e isso muda de década pra década. Agora estamos vivendo em uma época em que essa palavra e essa música não são aceitáveis na sociedade. Então, tivemos que tomar uma decisão. Mas não depende de mim o que a cultura decide, e essa é a cultura moderna agora.”
Sean afirma compreender o uso original do termo na composição. Ainda assim, ele reforça não depender apenas de seu próprio julgamento.
“Eu pessoalmente acredito que a maneira como meu pai usou essa palavra naquela música foi muito significativa e justificável, mas esse é o meu sentimento pessoal. Esse não é o sentimento do mundo. Então, temos que nos adaptar ao mundo em que vivemos, e há algo que eu pude fazer. Conversei com algumas pessoas e elas disseram: ‘Ah, você está censurando’. E eu não acredito que esteja censurando, porque a música ainda existe. Ela está por aí.”
Ele também considera que “Woman is the N*gg*r of the World” tem seu valor enquanto peça musical. Dessa forma, deixa as pessoas à vontade para continuarem ouvindo-a no álbum original ou no streaming.
“Eu acho que é uma ótima música. Se você quiser ouvi-la, por favor, ouça. Mas estamos fazendo algo agora pelo mundo como ele é agora, pela cultura e pela geração que temos agora, e esta geração não tem a mesma relação com essa palavra que talvez uma geração mais velha. E isso não depende de mim, estou apenas vivendo neste mundo e tentando me adaptar ao mundo como ele é.”
Música de John Lennon foi censurada em relançamento?
Questionado por Marcelo Fróes sobre a possibilidade de tal decisão ser encarada como incentivo à censura, Sean argumentou:
“Olha, cara, acho que há duas discussões diferentes acontecendo. Uma delas é sobre o que achamos da cultura, como ela está mudando? Concordamos com isso? Achamos que está melhorando, ou que talvez algumas dessas ideias estejam erradas sobre a linguagem, sobre mudar a linguagem, censurar palavras ou ideias. E essa é uma conversa, e eu posso falar sobre isso, sabe, eu pessoalmente sou velho, vou fazer 50 anos em outubro, sim. Então… eu venho de uma geração que realmente não se importa com o que as pessoas dizem e, o que é pior, pode dizer o que quiser, e ouvir ou não ouvir. Essa é a minha geração, no entanto. Esse não é o mundo em que vivemos agora. E há outra discussão: deveríamos ter colocado a música no disco ou não? Deveríamos tê-la incluído no Power to the People? Deveríamos colocar ‘Woman is the N of the World’ com a palavra substituída por N ou não? Essa é a segunda pergunta.”
Sean Lennon conclui:
“Eu sinto que a resposta é obviamente não, porque é por respeito ao que as pessoas sentem. Eu não me sinto assim, mas não estou fazendo isso só por mim. Estou lançando o disco para que uma geração mais jovem possa ser apresentada à música do meu pai e da minha mãe, e então eu tenho que fazer isso de uma forma que eu acho que eles vão gostar, e eu acho que a geração mais jovem não vai gostar. Então, nós não colocamos. Eu digo isso. Acho que poderíamos ter feito qualquer uma das duas coisas, sabe, mas tomamos uma decisão, e eu a mantenho, e de qualquer forma, alguém ficaria infeliz.”
A letra de “Woman is the N*gg*r of the World”
Confira, abaixo, a tradução da letra de “Woman is the N*gg*r of the World”, de John Lennon:
“A mulher é o criolo do mundo
Sim, ela é
Pense a respeito
A mulher é o crioulo do mundo
Pense a respeito
Faça algo contra isso
Nós fazemos ela pintar o rosto e dançar
Se ela não quer ser nossa escrava, dizemos que não nos ama
Se ela é sincera, nós dizemos que ela está tentando ser um homem
Enquanto botamos ela para baixo, fingindo que ela está acima de nós
A mulher é o criolo do mundo
Sim ela é
Se não acredita em mim
Olhe para a que está com você
A mulher é escrava dos escravos
Ah, melhor gritar a respeito disto
Nós fazemos ela parir e criar nossos filhos
E depois a deixamos feito uma velha e gorda mãe galinha
Nós dizemos a ela que o único lugar onde ela deveria estar é em casa
E depois reclamamos que ela é provinciana demais para ser nossa amiga
A mulher é o criolo do mundo
Sim ela é
Se não acredita em mim, olhe para a que está com você
A mulher é o escravo dos escravos
Sim (pense a respeito)
Nós insultamos ela todo dia na TV
E maravilhosamente perguntamos porque ela não tem coragem e confiança
Quando ela é jovem, nós matamos seu desejo de ser livre
Enquanto dizemos para ela para não ser tão esperta
A botamos para baixo por ser tão boba
A mulher é o criolo do mundo
Sim ela é
Se não acredita em mim, olhe para a que está com você
A mulher é o escravo dos escravos
Sim, ela é
Se você não acredita em mim, é melhor gritar a respeito
Nós a fazemos pintar seu rosto e dançar
Nós a fazemos pintar seu rosto e dançar
Nós a fazemos pintar seu rosto e dançar
Nós a fazemos pintar seu rosto e dançar
Nós a fazemos pintar seu rosto e dançar
Nós a fazemos pintar seu rosto e dançar
Nós a fazemos pintar seu rosto e dançar”
Informações: Rolling Stone