
Situações desafiadoras tendem a extrair o melhor de nós. Começa-se assim a explicar o sucesso de Fruto Proibido (1975), quarto álbum solo de Rita Lee e segundo com o Tutti Frutti. Um disco tão poderoso que, 50 anos depois, soa tão forte como na época em que saiu.
A história do Fruto começa em 1972, quando Rita acabou dispensada d’Os Mutantes, banda com a qual revolucionara o rock brasileiro no fim da década anterior. O motivo era bobo: o grupo enveredou para o rock progressivo, em alta na época, e os demais integrantes — seu agora ex-marido Arnaldo Baptista e o irmão, Sérgio Dias — não a consideravam tecnicamente apta.
Sem banda e sem marido, Rita, com seus 20 e poucos anos, voltou até a morar na casa dos pais. Recolheu os cacos e começou a trabalhar em seu próximo projeto: uma dupla com a guitarrista Lúcia Turnbull, Cilibrinas do Éden, com sonoridade leve e recepção inaugural fraca. A iniciativa ganhou peso quando elas recrutaram os músicos do Lisergia, com destaque ao guitarrista Luiz Carlini e ao baixista Lee Marcucci. Estava formado o Tutti Frutti, grupo que acompanharia a ex-Mutante nos anos seguintes.
De início, eles gravaram um álbum que sequer saiu oficialmente — e que pode ser encontrado no mercado pirata sob o nome Cilibrinas do Éden — e outro que realmente foi lançado: o bom — mas não ótimo — Atrás do Porto Tem uma Cidade (1974). Era como se os envolvidos ainda estivessem se conhecendo de verdade, até adquirirem intimidade e, já sem Lúcia, brindaram o público com Fruto Proibido. Um clássico da música brasileira feito por uma artista expulsa de uma banda três anos antes. Dá para imaginar?
Em Uma Autobiografia (2016), Rita Lee define Fruto como “um disquinho bacana” e admite: “Gosto muito desse trabalho”. Referenciando o movimento roqueiro que se formava no Brasil, destaca um dos grandes méritos do álbum: “Botei minhas asinhas pra fora num ambiente mezzo machista, ma non troppo”. E, com sua habitual eloquência, pontua que ele é “considerado por muitos como um divisor de águas do rock brazuquês, apesar da breguice do nome Fruto Proibido”. Carlini, à Rolling Stone Brasil, demonstra ainda mais entusiasmo ao cravar: “Esse álbum é incriticável”.
A abordagem atualizada, diga-se, é importantíssima para a compreensão do aspecto “divisor de águas”. Mesmo nos anos seguintes ao lançamento de Fruto Proibido, até a chegada da década de 1990, raros álbuns de rock BR acertaram em estética sonora e compilação de influências sem comprometer a originalidade. Aqui, Rita e a turma ancoram-se no glam rock, em voga na primeira metade dos anos 1970, e no que se chama hoje de classic rock. David Bowie na “era Ziggy Stardust” e Rolling Stones na fase com Mick Taylor na guitarra são algumas das principais referências. Ao mesmo tempo, tem claríssimas impressões digitais de Rita, Carlini, Marcucci, Franklin Paolillo (bateria), Manito (sopros e órgão), Guilherme Bueno (piano) e dos irmãos Rubens e Gilberto Nardo (vocais de apoio).
Fruto, conforme já citado, vai além dos hits. Há, claro, a baladaça “Ovelha Negra”, com um dos melhores solos de guitarra da história do nosso rock; a envolvente e atemporal “Agora Só Falta Você”, coescrita com Carlini; e a biográfica “Esse Tal de Roque Enrow”, uma das três letras coassinadas por Paulo Coelho. Mas o repertório é completo por canções irresistíveis como a abertura semicabaret “Dançar Pra Não Dançar”; do blues acalentador “Cartão Postal”; da groovadíssima “Pirataria”, cocriada junto a Marcucci… um caso incomum de álbum poderoso do início ao fim, da primeira à última faixa.
Informações: Rolling Stone



