
Neste fim de semana, o calendário marca 29 de novembro e lembra que já se passaram 24 anos desde a morte de George Harrison, em 2001, vítima de câncer de pulmão, aos 58 anos. O que poderia ser apenas uma data de saudade virou também um ponto de encontro entre gerações: nunca se falou tanto no guitarrista dos Beatles quanto agora.
Nascido em Liverpool em 25 de fevereiro de 1943, o “quiet Beatle” foi, por muito tempo, o terceiro compositor da banda. Só que as suas canções cresceram com o tempo. “Something”, “While My Guitar Gently Weeps” e, principalmente, “Here Comes The Sun” — hoje a faixa mais ouvida dos Beatles no Spotify e primeira do grupo a ultrapassar 1 bilhão de streams na plataforma — colocaram Harrison no centro do catálogo digital da banda.
Recorde a seguir “Here Comes The Sun”, lançada em 26 de setembro de 1969 no clássico álbum Abbey Road, o último gravado pelos quatro Beatles juntos em estúdio. Em 2019, o grupo celebrou o aniversário do disco com edições especiais lançadas mundialmente pela Apple Corps Ltd./Capitol/UMe. A versão comemorativa trouxe as 17 faixas remixadas por Giles Martin e Sam Okell em estéreo, estéreo de alta resolução, 5.1 surround e Dolby Atmos, além de 23 gravações de sessão e demos, a maioria inéditas.
Enquanto Paul McCartney e Ringo Starr seguem ativos, o legado de George Harrison se expande por outros caminhos: documentários reimaginados, canções “renascidas” com ajuda de inteligência artificial e uma nova leva de reedições em vinil que recolocam sua obra solo num lugar de destaque.
Anthology 2025: quando o arquivo ganha vida nova
O grande movimento deste fim de 2025 é a versão expandida de “The Beatles Anthology”, que estreia em edição restaurada no Disney+ com nove episódios — o nono totalmente inédito. Produzida pela equipe de Peter Jackson, a série usa a mesma tecnologia de desmixagem de áudio desenvolvida para o documentário Get Back, permitindo isolar vozes e instrumentos de gravações antigas sem recriar nada artificialmente.
O novo episódio acompanha o reencontro dos chamados “Threetles” — Paul, Ringo e George Harrison — nos anos 1990, quando o trio se reuniu para trabalhar em demos deixadas por John Lennon, caso de “Free As a Bird” e “Real Love”. As imagens mostram um Harrison espirituoso, às vezes reticente, mas claramente envolvido em revisitar a própria história.
Em paralelo, chega às plataformas a compilação “Anthology 4”, com raridades e sessões de estúdio restauradas por Giles Martin, filho do lendário produtor George Martin. É mais um capítulo em que o guitarrista de Liverpool deixa de ser coadjuvante: as novas mixagens destacam sua guitarra, sua voz e seu humor nas conversas de bastidores.
Inteligência artificial e a “humanidade” dos Beatles
Tudo isso acontece na esteira de “Now And Then”, a canção lançada em 2023 e apresentada como a última música dos Beatles, construída a partir de um demo de John Lennon gravado nos anos 1970.
A mesma tecnologia de IA usada em Get Back — o sistema MAL, desenvolvido pela equipe de Peter Jackson — serviu para limpar e separar a voz de Lennon de um velho cassete, enquanto Paul e Ringo gravaram novas partes de baixo, bateria e vocais. A faixa ainda incorporou guitarras de George Harrison registradas em 1995, durante a primeira tentativa de completar a canção.
Giles Martin, coprodutor da gravação, tem repetido que o processo não cria uma voz artificial: “a IA não está criando a voz de John; ela já estava na fita, nós apenas limpamos o áudio”, explicou em entrevista, reforçando que o objetivo é revelar os Beatles como pessoas de carne e osso, não como avatares digitais.
O resultado foi histórico: “Now And Then” venceu o Grammy de Melhor Performance de Rock em 2025 e ainda concorreu a Gravação do Ano, tornando‑se o primeiro single dos Beatles indicado em décadas e o primeiro grande prêmio para uma faixa restaurada com apoio de IA. Mais do que um troféu, a vitória mostrou que o legado da banda continua em movimento — e que Harrison ainda é peça central dessa conversa. Veoja o videoclipe oficial de “Now And Then”.
Dhani Harrison e o futuro de “Free As a Bird” e “Real Love”
Se depender de Dhani Harrison, filho de George, a história não termina em “Now And Then”. Em entrevista publicada em 2025, ele revelou que vem defendendo, dentro da Apple e dos espólios Beatles, um plano para retrabalhar “Free As a Bird” e “Real Love” com a mesma tecnologia usada no último single: limpar a voz de Lennon, abrir espaço para novos detalhes de arranjo e dar mais brilho às contribuições dos três Beatles sobreviventes da época.
Dhani contou que ele e Sean Ono Lennon já ouviram versões de teste com o vocal de John melhorado por IA e ficaram impressionados com o resultado. A ideia é, nas palavras do próprio Dhani, “corrigir” limitações técnicas dos anos 90 — quando as demos foram trabalhadas com recursos bem mais modestos.
Enquanto isso, fãs acompanham cada movimento. Fóruns especializados e comunidades em redes sociais discutem o novo mix de 2025 de “Real Love” e as atualizações em “Free As a Bird”, comparando as versões originais dos anos 90, os ajustes de 2015 e as edições recentes. Mesmo em discussões acaloradas, um ponto se repete: a curiosidade em saber como soaria George Harrison num ambiente sonoro mais limpo, com a tecnologia atual a serviço de sua guitarra e de seus vocais. Ouças a seguir as edições de “Free As a Bird” e “Real Love”.
O interesse renovado por George Harrison não fica só no universo dos Beatles. Seus discos solo também vivem uma nova fase.
Lançado em 1987, “Cloud Nine” marcou o renascimento criativo do guitarrista, com produção de Jeff Lynne e o hit “Got My Mind Set on You”. Hoje, o álbum segue presente em prateleiras especializadas em versões de 180 gramas, remasterizadas a partir das fitas analógicas originais e distribuídas por selos como a Universal/Capitol — reedições que continuam chegando a lojas de vinil e sites de áudio de alta fidelidade em 2025. Recorde o primeiro videoclipe do sucesso “Got My Mind Set on You”.
Ainda mais simbólico é o lugar de “All Things Must Pass”, o triplo LP lançado em 1970, logo após o fim dos Beatles. Considerado por muitos críticos o melhor álbum solo de um ex‑Beatle, o disco ganhou em 2021 uma caixa de 50º aniversário, totalmente remixada sob supervisão de Dhani Harrison e do engenheiro Paul Hicks, que reduziram a “parede de som” de Phil Spector para aproximar a voz e os arranjos de George do ouvinte contemporâneo.
Em 2025, quando o álbum completa 55 anos, esse trabalho de garimpo continua rendendo frutos: novas prensagens em vinil, versões deluxe em streaming e posts nostálgicos que redescobrem faixas como “My Sweet Lord”, “What Is Life” e “Beware of Darkness” para uma geração acostumada a ouvir música em playlists — mas cada vez mais curiosa sobre a origem dessas canções.
Harrison em 2025: presença física, espiritual e digital
A permanência de George Harrison também se manifesta fora dos estúdios. Em 2024, sua casa de infância em Liverpool, na modesta Arnold Grove, recebeu uma placa azul oficial, reconhecendo o endereço onde o futuro Beatle viveu até os sete anos. É um marco físico para uma história que começou em uma rua operária e acabou influenciando o mundo inteiro.
Mas é uma coincidência de calendário que ajuda a dar ainda mais força a este fim de semana: foi justamente em novembro de 1970 que Harrison lançou “My Sweet Lord”, aquela que se tornaria a faixa mais emblemática de seu primeiro grande voo solo após os Beatles.
Inspirada profundamente pela espiritualidade indiana, pela filosofia do movimento Hare Krishna e pelo desejo de aproximar fé e música pop, “My Sweet Lord” nasceu da busca sincera de Harrison por uma conexão com algo maior — uma espécie de oração cantada, construída sobre violões cintilantes, coro gospel, mantras védicos e um refrão em que ele diz simplesmente querer “ver” e “estar perto” do divino.
O impacto foi imediato: “My Sweet Lord” se tornou o primeiro single de um ex-Beatle a alcançar o número 1 nas paradas, liderando rankings nos Estados Unidos, no Reino Unido e em dezenas de outros países. A canção abriu caminho para que All Things Must Pass fosse reconhecido não apenas como um álbum grandioso, mas como uma declaração artística de independência de Harrison — e como a prova definitiva de que ele tinha muito mais a oferecer do que deixava transparecer na banda mais famosa do mundo.
Hoje, mais de cinco décadas depois, “My Sweet Lord” segue sendo um dos momentos mais emocionantes de sua carreira: uma música que atravessa gerações não só pela melodia contagiante, mas pelo convite — simples e profundo — de olhar para dentro.
Neste fim de semana de novembro, enquanto o calendário relembra os 24 anos sem George Harrison, incluir “My Sweet Lord” na playlist parece quase inevitável. Entre espiritualidade, afeto e memória, é uma lembrança de que o guitarrista dos Beatles nunca ficou preso ao passado. Pelo contrário: sua obra continua sinalizando para o alto, para frente — e para dentro.
Assista a seguir ao videoclipe oficial de “My Sweet Lord”, lançado em 2021 em celebração aos 50 anos de All Things Must Pass, acompanhado de uma nova leva de edições especiais que inclui um novo mix do álbum, assinado pelo engenheiro vencedor do Grammy Paul Hicks e supervisionado pelo produtor executivo Dhani Harrison.
Informações: Antena 1


